Malha Fiscal Digital, ruído ocupacional e o adicional do GILRAT.
Por Gustavo Rezende de Souza
Engenheiro de Segurança do Trabalho, Higienista Ocupacional certificado pela ABHO, professor na USP e consultor técnico.
Introdução
A Malha Fiscal Digital (MFD) passou a ser um ponto de atenção tanto para as áreas de Segurança e Saúde no Trabalho (SST) quanto para os departamentos fiscais e jurídicos das empresas. O recente comunicado da Receita Federal, especialmente vinculado ao Parâmetro 50.006, mira diretamente o adicional do GILRAT (antigo SAT) para trabalhadores expostos ao agente físico ruído.
Em resumo, o Fisco cruza as informações do eSocial (com destaque para o evento S-2240) com a DCTFWeb e identifica situações em que há registro de exposição a ruído acima de 85 dB(A), mas não consta o recolhimento do adicional de 6% sobre a remuneração desses empregados. Este artigo discute o funcionamento dessa dinâmica, a interpretação adotada pela Receita Federal e a importância de um alinhamento sólido entre os laudos técnicos (LTCAT) e a leitura jurídico-tributária do tema.
Índice
- 1. Malha Fiscal Digital e o Parâmetro 50.006
- 2. Ruído ocupacional e o adicional do GILRAT
- 3. ADI nº 2/2019 e a leitura da Receita Federal
- 4. Tema 555 do STF: o que realmente foi discutido
- 5. Impactos para as empresas: LTCAT e legalidade tributária
- 6. Como alinhar SST, jurídico e tributário
- 7. Conclusão
- 8. Referências Bibliográficas
1. Malha Fiscal Digital e o Parâmetro 50.006
A Malha Fiscal Digital é um mecanismo de cruzamento automatizado de dados da Receita Federal, que compara as informações declaradas pelas empresas em diferentes obrigações acessórias. No contexto da SST, o Parâmetro 50.006 está diretamente relacionado à exposição a ruído ocupacional e ao recolhimento do adicional de 6% do GILRAT.
Quando o sistema identifica, no evento S-2240 do eSocial, a indicação de exposição a ruído acima de 85 dB(A), mas verifica que na DCTFWeb não houve recolhimento do adicional de 6% sobre a remuneração daqueles empregados, um aviso é gerado na Malha Fiscal Digital. Esse aviso funciona como uma espécie de “convite à autorregularização”.
Nesse convite, a Receita oferece a possibilidade de recolher ou parcelar o suposto débito apenas com juros e correção, sem multa de ofício, desde que a empresa regularize espontaneamente. Porém, por trás desse gesto aparentemente “amigável”, há uma interpretação bastante controversa sobre o papel do ruído e a neutralização por EPI.
2. Ruído ocupacional e o adicional do GILRAT
O ponto sensível é a forma como a Receita vem tratando o ruído ocupacional. A lógica adotada é a seguinte: havendo exposição acima de 85 dB(A) em Nível de Exposição Normalizado (NEN), o adicional de 6% do GILRAT seria automaticamente devido, independentemente da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI) ou da atenuação calculada por métodos normativos, como a ABNT NBR 16.077/2021 (métodos simples e longo).
Na prática, isso significa, para a Receita Federal, que não se poderia considerar a redução do nível de exposição com base na atenuação do protetor auditivo para fins de afastar o adicional. Se o NEN for superior a 85 dB(A), entende-se devido o adicional de 6%, ainda que o NEp (nível na orelha protegida) seja inferior ao limite graças ao EPI.
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3. ADI nº 2/2019 e a leitura da Receita Federal
O nó jurídico central nasce do Ato Declaratório Interpretativo (ADI) nº 2/2019. A partir dele, a Receita Federal passou a sustentar que, para fins de adicional do GILRAT, o ruído seria um agente que não pode ser integralmente neutralizado por EPI, mesmo com Certificado de Aprovação (CA) válido.
Em consequência, bastaria a constatação de ruído acima do limite de tolerância para caracterizar a necessidade de recolhimento do adicional. Em outras palavras, a discussão sobre eficácia do protetor auditivo — seja por método longo, seja por método simplificado da NBR 16.077/2021 — ficaria, na prática, afastada do campo tributário.
Essa leitura amplia a base de cobrança e se distancia do entendimento técnico construído na higiene ocupacional, no qual se considera não apenas o NEN, mas também a atenuação efetiva, o uso correto do EPI e as condições reais de exposição.
4. Tema 555 do STF: o que realmente foi discutido
Muitos associam essa discussão diretamente ao Tema 555 do STF, decidido no ARE 664.335/SC, mas é importante lembrar que o foco da decisão não foi a eficácia intrínseca dos EPIs. O Supremo analisou, sobretudo, a comprovação da efetiva exposição a agentes nocivos e a validade das informações do PPP na análise de tempo especial para aposentadoria.
O ponto central era: a mera indicação de uso de EPI no PPP poderia, por si só, afastar o direito à aposentadoria especial? A Advocacia-Geral da União (AGU) argumentou que a Súmula 9 da TNU violaria:
- o artigo 2º da Constituição (separação de poderes);
- o artigo 195 (necessidade de fonte de custeio para benefícios);
- e o artigo 201 (equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência).
Portanto, o ARE 664.335/SC tratou da relação entre informação técnica, tempo especial e direito à aposentadoria, mas não esvaziou completamente o debate sobre a eficácia técnica dos EPIs no contexto previdenciário e, menos ainda, no tributário.
5. Impactos para as empresas: LTCAT e legalidade tributária
Diante desse cenário, as empresas precisam estar duplamente bem estruturadas:
- na parte técnica, com LTCATs consistentes, cálculos de NEN e NEp bem documentados e coerência entre laudos, PGR, PCA e informações do eSocial (especialmente o S-2240);
- na parte jurídico-tributária, com profissionais capazes de discutir a aplicação do princípio da legalidade previsto no Código Tributário Nacional (CTN) e a forma como o Fisco vem interpretando o adicional do GILRAT para ruído.
Sem esse alinhamento, a empresa pode acabar recolhendo valores acima do necessário por insegurança jurídica, ou, na direção oposta, ficar exposta a autuações e cobranças retroativas acompanhadas de juros e multas.
6. Como alinhar SST, jurídico e tributário
Alguns pontos estratégicos para uma atuação integrada incluem:
- revisar o mapeamento de exposições a ruído e a coerência entre LTCAT, PGR e eSocial;
- documentar de forma robusta a metodologia de avaliação de ruído, incluindo NEN, uso da NBR 16077/2021 e critérios de atenuação com EPI;
- construir, em conjunto com o jurídico, uma tese clara sobre quando o adicional é devido, à luz do CTN, da jurisprudência e dos atos normativos da Receita;
- avaliar, caso a caso, se faz sentido aderir à “autorregularização” sugerida pela MFD ou se há base técnica e jurídica para contestar a cobrança.
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7. Conclusão
O tema da Malha Fiscal Digital, ruído ocupacional e adicional do GILRAT é, antes de tudo, jurídico-tributário, ainda que se apoie intensamente em dados técnicos de SST. A Receita Federal, amparada no ADI nº 2/2019, vem adotando uma leitura que considera, em muitos casos, o ruído como agente não plenamente neutralizável, afastando na prática a discussão sobre a eficácia do EPI para fins de adicional.
Por outro lado, decisões como o Tema 555 do STF mostram que a discussão sobre exposição efetiva, validade do PPP e legalidade da cobrança é mais complexa do que um simples “ruído acima de 85 dB(A)”. Por isso, empresas que desejam atuar com segurança precisam investir em laudos bem estruturados, registro técnico consistente e estratégia jurídica alinhada, evitando tanto recolhimentos indevidos quanto passivos fiscais inesperados.
8. Referências Bibliográficas
- BRASIL. Receita Federal do Brasil. Malha Fiscal Digital da Pessoa Jurídica – Parâmetro 50.006. Disponível em: gov.br/receitafederal.



