Olá, meus caros! Aqui é o Professor Gustavo e hoje vamos mergulhar nas entranhas do Projeto de Lei 4534/2023, que tem agitado os debates entre os profissionais de segurança do trabalho.
O foco? A caracterização do adicional de insalubridade por agentes biológicos na limpeza de instalações sanitárias de grande circulação.
Vou apresentar a minha visão e alguns aspectos técnicos acerca deste projeto, assim como as suas ramificações e como ele pode redefinir as regras para empresas e trabalhadores.
O Projeto de Lei 4534/2023: Uma Análise Detalhada
Vamos começar desvendando as propostas contidas no PL, que busca alterações no artigo 192 do Capítulo V da CLT.
A ideia principal é trazer clareza à definição de instalações sanitárias de grande circulação, estabelecendo um critério objetivo: instalações disponíveis para mais de 20 pessoas (usuários) serão considerados como ambientes de elevado risco, conferindo aos profissionais que laboram na limpeza destes locais o pagamento do adicional de insalubridade em grau máximo (40% do salário mínimo, geralmente indexado ao salário mínimo nacional). A intenção desta proposta é diminuir a subjetividade na caracterização do adicional de insalubridade, proporcionando uma legislação trabalhista mais clara quanto aos processos de aplicação.
A Controvérsia Atual e a Reforma Trabalhista de 2017
Este debate ganhou força com a Súmula 448 do TST – Tribunal Superior do Trabalho, que equipara a limpeza de instalações sanitárias ao adicional máximo de insalubridade (equivalente a coleta do lixo urbano).
No entanto, a reforma trabalhista de 2017, lei 13.467, mais precisamente em seu artigo 8, parágrafo 2, restringiu o poder das súmulas e orientações jurisprudências, muito disto justificado pelas incertezas jurídicas geradas em processos na esfera trabalhista.
O PL 4534/23 surge como uma resposta a essas ambiguidades, visando tornar a avaliação menos subjetiva no que se refere ao aspecto quantitativo para efetivamente se caracterizar o que é uma instalação sanitária de grande circulação.
Uma Visão Técnica sobre os Riscos na Limpeza de Instalações Sanitárias
Vamos agora explorar a visão técnica sobre a exposição a agentes biológicos na limpeza de instalações sanitárias.
Geralmente uma instalação sanitária não é um ambiente onde existe uma sobrecarga microbiológica elevada, por exemplo, se a água do bacio for proveniente da companhia de saneamento (prestadora de serviço) é obrigado que nessa água contenha um teor mínimo de 0,5 mg/L e máximo de 2 mg/L de cloro residual livre (PORTARIA DE CONSOLIDAÇÃO Nº 5, DE 28 DE SETEMBRO DE 2017), além de que essa água passa por todas as etapas constituintes de uma ETA (coagulação, floculação, decantação, filtração e posterior cloração), ou seja, a água do bacio é água potável com características bactericidas.
Destaco também a eficácia dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e questiono a necessidade do adicional máximo quando esses dispositivos são utilizados corretamente e as empresas seguem plenamente os requisitos de gestão do uso dos EPIs, conforme estabelece o item 6.5.1 da NR 6.
Mas paralelamente a pergunta é: existe algum EPI que possa realmente proteger os trabalhadores contra riscos biológicos? No meu entendimento sim, pois a cartilha de proteção respiratória da ANVISA já recomendava, por exemplo, o uso de respiradores do tipo semifacial, neste caso no mínimo o uso da PFF2 para os casos de exposição à micro-organismos, tais como o bacilo de Koch (mycobacterium tuberculosis, neisseria meningitis, partículas virais (H1N1 e mais recentemente o SARS-COV-2).
Outro ponto interessante sobre o uso do EPI ocorre quando nos deparamos com profissionais de centros de vigilância em saúde, como do CDC – Center for Diseases Control (Centro de Controle de Doenças) dos Estados Unidos paramentados com vestimentas, calçados, luvas impermeáveis, proteções da face (face shields), entre outros equipamentos de proteção individual que são efetivos na proteção deste público quando do atendimento de casos de epidemias e surtos de doenças transmissíveis, por contato ou por perdigotos, em diferentes países. Ora, se efetivos não fossem estes EPIs, por que os pesquisadores do CDC o usam? Cabe a reflexão, principalmente nas perícias trabalhistas e previdenciárias.
Afinal, é fundamental garantir a proteção adequada aos trabalhadores e não apenas nos restringirmos aos agentes biológicos quanto aos direitos de remuneração complementar como é o caso do adicional de insalubridade, bem como a concessão do tempo especial no LTCAT para fins de input de dados no eSocial.
Desafios Empresariais e Jurídicos na Insalubridade
As empresas enfrentam desafios significativos no pagamento do adicional de insalubridade, mesmo seguindo as normas e fazendo a gestão do uso dos EPIs. A insegurança jurídica decorrente de interpretações divergentes das leis trabalhistas é um ponto de atenção para empregadores, que muitas vezes são condenados, resultando em custos adicionais, por este motivo a adequada consultoria de profissionais de higiene ocupacional, segurança do trabalho e do setor jurídico são fundamentais para a tomada de decisão em processos e demais litígios na seara trabalhista.
Posicionamento Pessoal e Expectativas
Pessoalmente, discordo do adicional de insalubridade como compensação pela saúde do trabalhador. Entretanto, reconheço a importância de definições mais claras quanto a regra do jogo (apesar que mesmo com estes elementos, estamos sujeitos à interpretações equivocadas, exemplo: o PL trata de instalações sanitárias com capacidade instalada para mais de 20 pessoas, contabilizando banheiros e mictórios, mas em alguns locais já se afirma que se a instalação sanitária estiver à disposição de mais de 20 empregados isto já torna o ambiente passível de caracterizar o adicional de insalubridade para os profissionais que realizam os serviços de limpeza deste local, algo totalmente não pertinente ao PL).
É evidente que a proposta de lei, ao propor critérios específicos aplicados em instalações sanitárias de grande circulação, busca trazer objetividade ao debate, ressaltando, concomitantemente, a importância do uso correto dos EPIs e dos treinamentos a serem ministrados aos profissionais de limpeza, algo elementar e muitas vezes esquecido por profissionais da nossa área.
Conclusão: O Futuro da Insalubridade na Limpeza de Instalações Sanitárias
Temos mais um debate posto e a participação de todos os atores de SST é fundamental para termos equilíbrio nas alterações propostas em nossa legislação.
Evidentemente que o anexo 14 da NR 15 não reflete aquilo que conhecemos sobre os aspectos técnicos das exposições aos agentes biológicos, onde parâmetros básicos de patogenicidade e virulência são totalmente ignorados nas atividades previstas no supracitado anexo, mas de toda forma ainda se trata do dispositivo legal mais usado quando tratamos dos agentes biológicos na segurança do trabalho.
Espero que essa análise tenha esclarecido as nuances do Projeto de Lei 4534/2023.
Fiquem de olho nas próximas etapas dessa discussão no Congresso Nacional, pois as decisões terão impacto direto nas relações trabalhistas e na segurança jurídica das empresas e dos trabalhadores envolvidos.
Gustavo Rezende de Souza
Higienista Ocupacional Certificado pela ABHO.
Professor de higiene ocupacional na Universidade de São Paulo – USP.
Consultor técnico de higiene ocupacional.