A Questão Técnica e Jurídica da Eficácia dos Protetores Auditivos na Aposentadoria Especial

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Prof Gustavo Rezende

Aposentadoria especial e protetores auditivos: análise

A eficácia dos protetores auditivos na aposentadoria especial: técnica e direito

Por Gustavo Rezende de Souza
Engenheiro de Segurança do Trabalho, Higienista Ocupacional Certificado, professor no curso de Higiene Ocupacional da USP e consultor técnico.


Introdução

A discussão sobre a eficácia dos protetores auditivos na aposentadoria especial envolve duas dimensões que caminham juntas: a base técnica (higiene ocupacional, avaliação de ruído, eficácia do EPI) e a base jurídica (leis, decretos, temas repetitivos e a própria legalidade tributária). Este artigo apresenta um panorama histórico-normativo, destaca o Tema 555 do STF, a pacificação recente do Tema 1.090 do STJ e explica por que o debate extrapola a engenharia e alcança o financiamento previdenciário e o CTN.


Índice


1. Linha do tempo da aposentadoria especial

A aposentadoria especial foi formalizada pela LOPS/1960 [1]. O Decreto 53.831/1964 trouxe rol de agentes e limites (ruído > 80 dB(A)) [2]. O critério era por categoria profissional, com reconhecimento automático. A Constituição de 1967 reforçou a proteção. Com exclusões administrativas, cresceu o contencioso e o TFR editou a Súmula 198, tornando o rol exemplificativo. A Lei 8.213/1991 mudou o jogo: art. 57 exigiu prova técnica do tempo especial e o art. 58 tornou obrigatório o LTCAT [3]; a Lei 9.032/1995 eliminou o enquadramento automático, exigindo demonstração de exposição efetiva [4].

2. Financiamento e questionamentos recentes

Para financiar o benefício, a Lei 9.732/1998 instituiu contribuição adicional de 6%, 9% e 12% conforme o risco [5], além do SAT (1%, 2% e 3% pelo CNAE), art. 22, II, da Lei 8.212/1991 [6]. Em 2025, a CNI ajuizou a ADI 7773, questionando o art. 57, §6º, da Lei 8.213/1991 e a aplicação da tese do Tema 555, sobretudo nos casos de ruído [7]. A tese central: a cobrança deve se vincular à exposição efetiva, considerando a eficácia real dos EPIs.

3. EPIs e a virada prática

O Dec. 3.048/1999 e, depois, o Dec. 4.882/2003 indicaram que, se o laudo demonstrasse neutralização do risco por EPI, o tempo não seria especial [8][9]. O INSS passou a negar com base no “EPI eficaz” do PPP. A TNU reagiu com a Súmula 9 (2003): no ruído, a mera indicação de EPI eficaz no PPP não basta para descaracterizar o tempo especial [10], pois a atenuação depende de ajuste, vedação e uso efetivo.

4. ARE 664.335/SC (Tema 555 do STF)

O caso foi ao STF como leading case [11]. O Tema 555 não julgou a “eficácia intrínseca do EPI”, mas a exposição efetiva e a força probatória do PPP. A questão-chave: a mera indicação de EPI no PPP afasta a especialidade? A AGU sustentou violação aos arts. , 195 e 201 da CF [14]. O STF fixou duas teses: (i) para agentes em geral, EPI pode descaracterizar, se houver prova técnica robusta; (ii) para ruído, não basta a declaração genérica: a empresa deve demonstrar tecnicamente a eliminação/neutralização do risco.

5. Tema 1.090 do STJ: critérios práticos

Em 2025, o STJ pacificou no Tema 1.090 que a informação de EPI no PPP, em regra, afasta a especialidade; exceções admitem reconhecimento quando houver provas de ineficácia (inadequação ao risco, CA inválido, falta de troca/higienização, ausência de treinamento etc.) [12]. Destaque: se houver dúvida razoável sobre a eficácia, aplica-se a proteção ao trabalhador (in dubio pro segurado). Na prática, o PPP precisa refletir fielmente as condições e ser amparado por: método de seleção (NBR 16.077/21, método simples/longa), registros de entrega e uso, treinamentos, CA válido, manutenção, medições representativas.

6. Realidade técnica dos protetores auditivos

O ruído ocupacional produz PAINPSE e efeitos extra-auditivos (sono, estresse, fadiga, cefaleia, circulação). EPIs (plugs e conchas) têm atenuação declarada (NRR/SNR), mas o desempenho em campo costuma ser inferior ao de laboratório, por ajuste, conforto, calor/umidade e uso intermitente. A avaliação deve incluir medições ambientais, fit test, verificação de uso/manutenção e adequação ao cenário real. O Tema 1.090 reconhece essa complexidade e exige evidências objetivas.

7. Pontos jurídicos ainda em aberto

A Súmula Vinculante 8 do STF definiu que contribuições previdenciárias são tributos e seguem o CTN [13]. Há tensão com decisões do CARF que invocam a repercussão geral do ARE 664.335. O art. 146, III, “a” da CF (reserva legal tributária) determina que lei complementar define tributos e fato gerador [14]; o Judiciário não pode criar fato gerador (como “exposição efetiva”) para fins de cobrança. A ADI 7773 reflete esse conflito e questiona a forma de cobrança das adicionais.

8. Implicações práticas para empresas e trabalhadores

  • Empresas: pedem-se LTCATs robustos, coerentes com PGR/PCA e PPP, com metodologia NBR 16.077/21 para seleção de EPI, registros de fit test, CA e treinamentos; e atuação jurídica para sustentar a legalidade da cobrança.
  • Trabalhadores: o Tema 1.090 reforça o direito à dúvida razoável sobre a eficácia do EPI quando bem fundamentada, permitindo reconhecimento do tempo especial.
  • Administração: INSS e Receita precisarão ajustar procedimentos; o STF, ao julgar a ADI 7773, pode harmonizar a cobrança com os critérios do STJ.

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9. Considerações finais

O debate sobre protetores auditivos na aposentadoria especial é essencialmente jurídico, sem abandonar a técnica. O Tema 1.090 do STJ trouxe critérios equilibrados e objetivos; a ADI 7773 pode modernizar a relação entre concessão e financiamento. O futuro do sistema depende de coerência entre ciência, laudos e legalidade tributária, com decisões que preservem a saúde do trabalhador e a sustentabilidade previdenciária.


10. Referências Bibliográficas

  • [1] BRASIL. Lei nº 3.807/1960 (LOPS). Link
  • [2] BRASIL. Decreto nº 53.831/1964. Link
  • [3] BRASIL. Lei nº 8.213/1991. Link
  • [4] BRASIL. Lei nº 9.032/1995. Link
  • [5] BRASIL. Lei nº 9.732/1998. Link
  • [6] BRASIL. Lei nº 8.212/1991. Link
  • [7] CNI. Petição Inicial – ADI 7773 (2025). Link
  • [8] BRASIL. Decreto nº 3.048/1999. Link
  • [9] BRASIL. Decreto nº 4.882/2003. Link
  • [10] CJF. Súmula 9 da TNU. Link
  • [11] STF. ARE 664.335/SC – Tema 555. Link
  • [12] STJ. Tema 1.090 – Recursos Repetitivos (2025).
  • [13] STF. Súmula Vinculante nº 8. Link
  • [14] BRASIL. Constituição Federal de 1988. Link

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